quinta-feira, abril 03, 2008
Pais
Vejo aquelas duas pessoas tão diferentes e lembro-me dos sacrifícios que sempre fizeram para serem bons pais. Lembro vagamente a minha mãe enrolar-me naquele xaile vermelho e cantar-me uma música de embalar sentada à frente da casa dos meus avós, devia ter uns 3 anos. E o meu pai dizendo-me aos 5 anos que sempre que vamos à casa de banho lavamos as mãos. Mesmo que eu não chegasse ao lavatório ainda. E as viagens que fizemos os 3 naquela Toyota Dina branca à procura dos melhores campos de melão e laranja para fazer negócio. Vida dura. E dormirmos os 3 na cabina algures no Ribatejo todos torcidos, abraçados e mordidos pelas melgas. Ou daquela vez em que a minha mãe me bateu por eu a ter chamado "estúpida" [desculpa mãe]. Ou quando o meu pai descobriu que tinha diabetes e a minha mãe mudou a alimentação da casa. E que dizer das nossas férias na Suíça em 1989? Ou do dia em que me deixaram, verdinho de 17 anos, pela primeira vez sozinho na Guarda para estudar e ser um homem. E minha mãe que costumava ir nos intevalos das aulas no ciclo ver o que eu andava a fazer e levar-me coisas boas para comer. Era o gozo dos meus colegas todos. Eu não gostava, mas ela fazia por amor. E o meu pai a tocar o seu acordeão ainda que não totalmente bem. A sopa da minha mãe que eu sempre denegri. Eu a mendigar aos meus pais durante uns 3 ou 4 anos por um carro decente que substituisse a Renault 4 velha e vermelha a cair aos bocados. Os 3 ou 4 jogos de cartas que jogei em parceria com o meu pai e que ganhámos a tipos faziam aquilo todos os dias. O que eles tiveram que trabalhar para nos dar a casa nova onde eu não queria estar por ser demasiado boa e longe dos meus amigos. Os dias de levantar às 6 da manhã para ir apanhar azeitona ou deitar pesticidas. As tardes de domingo em que passeavamos por sítios que eu não gostava. As discussões sobre política à mesa que por vezes acabaram em amuo... Os dias de febre que tive em pequeno. Dias que a minha mae passava ao meu lado. E o meu pai vendo a Fórmula 1 comigo e aturando as minhas análises chatas não porque gostasse, mas porque gostava de mim. As 50 flores que eu espalhei pela casa quando a minha mãe fez 50 anos. O sorrisinho malandro do meu pai sempre que eu corria para o telefone falar com uma miúda na altura do liceu. E o becinho da minha mãe sempre que isso acontecia. Ah...e quando eu não tinha chaves de casa e entrei como um ladrão pela janela, estragando a persiana e eles ficaram furiosos. E na tarde de quarta feira que eu meti a velha e vermelha Renault 4 em duas rodas por cima de um muro. Tinha 12 anos e não sabia que a minha mãe conseguia falar tão alto. Já o meu pai, com um sorriso cumplice... "então...? que andaste a fazer rapaz?". A minha mãe louca de raiva quando eu tive duas negativas no segundo poríodo do 8º ano. E radiante de orgulho quando ganhei um festival amador de canções. E os dias em que eles foram injustos comigo, com os dias em que eu fui injusto com eles.

Olho para eles quando venho embora da casa que contruiram com amor e sacrifício. A minha mãe, mais dura e pragmática, fica na cozinha como que a não dar importância à minha partida. O meu pai, mais sentimental, vem à porta e acena um adeus sentido e já com saudade. Fica lá até eu desaparecer ao fundo da rua.
Deixei de ser o rapazinho que eles criaram mas o amor nunca vai acabar. Pelos dias passados e pelos dias que hão-de vir. Havemos de aproveitá-los.
 
Lavrado por Ice-device at quinta-feira, abril 03, 2008 | Permalink |


2 Comments:


At 2:19 da manhã, Blogger Ana

Filho babado! :p

 

At 9:22 da tarde, Anonymous Anónimo

sentimentalista e saudosista... enfim, so falta dizeres que ficas com a lágrima no canto do olho. beijo