quarta-feira, agosto 09, 2006
Triste fidelidade

A boçalidade estende os braços nos fins-de-semana da TVI. “Fiel e Infiel”, programa do brasileiro João Kleber, constitui um retrato da pequenez de um certo Portugal. A fórmula é conhecida. Existe um casal e existe um dos elementos que quer testar a fidelidade do/a companheiro/a. O teste implica sempre estereotipados corpos e dinheiro. Um sedutor, com rasgos de encapotada vulgaridade e acenos de dinheiro, procura encantar o testado. Sob o pretexto de reunião de oferta de trabalho, em cenário novelesco, o sedutor faz resvalar a conversa para as questões pessoais.
Previsível fórmula. Tal como previsível é o rol de queixas que o/a seduzido/a apresenta sobre o/a companheiro/a. Triste constatação: não se percebe o que mantém unidas duas pessoas. Um desconfia, o outro queixa-se de falta de atenção, de excesso de ciúmes ou ou dos quilos a mais do/a companheiro/a. Se o típico casal português fosse o retrato dado pelo “Fiel e Infiel” chegar-se-ia à conclusão de que os portugueses não sabem amar. Um Portugal feito de quecas de segunda, sem preliminares. Um Portugal feito de relações vazias, sem companheiros que se inspirem mutuamente. Para quê uma relação? Segundo a amostra do “Fiel e Infiel”, para unir duas solidões e cumprir um ritual social. O que resulta da soma de duas pessoas? Naquele programa, resulta uma triste exibição das carências afectivas.
Num destes dias, no meio da previsibilidade do programa, foi mostrado ao país um crime público: violência doméstica. Está consagrado no Direito Penal Português que o crime de maus tratos assume a natureza de crime público. Basta uma denúncia ao tomada de conhecimento para o Ministério Público actuar. Se o programa não é uma encenação, será que algo vai ser feito? E a Entidade Reguladora da Comunicação não tem uma palavra a dizer sobre um programa que ofende a dignidade humana?
A rapariga confessou ao sedutor ser maltratada pelo companheiro. A rapariga disse que ele a batia. Em estúdio ele confessava, com um machismo altivo, que lhe batia com uma toalha molhada. Confessou o acto e ainda quis exemplificar o gesto numa senhora com idade para ser mãe dele, que se encontrava na assistência. A vontade de demonstração pública fez-se acompanhar da frase: “A mulher precisa de cabresto”. Para este jovem de 30 anos, a mulher é um animal doméstico. Uma égua que ele monta para exibir a virilidade. Para que serve uma mulher senão para o macho aliviar as tesões do dia-a-dia, para arrumar o lar, cozinhar e arcar com as despesas da casa (sim, a rapariga afirmou que ele não contribuía com um tostão para os gastos do lar)?
O rapaz, que tem dois empregos (técnico de manutenção de piscinas e empregado de bar) deixou claro que a companheira não faz mais que a sua obrigação em arrumar aquilo que ele desarruma. “Isso não são tarefas do macho”, vincou ele. Proíbe a namorada de frequentar o bar onde trabalha à noite (e ela cumpre), ela (apesar de reconhecer os defeitos do jovem) quer ter um filho daquele boçal e ele recusa. Ele é ciumento assumido e, por isso, sente-se na legitimidade de dar pancadinhas de amor com uma toalha molhada.
A rapariga, em conversa com o sedutor, lamenta que o namorado chegue a casa, à noite, e não lhe dê carinho. Carinho, para o namorado, não é um beijo, um toque de pele, uma demonstração verbal de algum afecto. Não, para ele tudo se resume à introdução do pénis na vagina, a uns grunhidos, a uma ejaculação e a um virar-se para o lado e dormir. Comentário do jovem: “Num dia não se dá carinho, mas compensa-se; no dia seguinte dão-se duas de seguida”.
O que andam muitas mães e pais deste país a fazer? Que educação sentimental darão aos filhos, para, nos dias de hoje, se assistir a um triste espectáculo destes?
Aquilo a que se assistiu foi a confissão de um crime público. Percebe-se que a legislação conta muito pouco para quem, na ignorância, age com tamanha vanglória e descaramento. E não podia haver maior humilhação para aquela jovem. É alvo de desconfiança, de pancada e é vítima dela própria. Vítima de estereótipos, de preconceitos e de uma auto-estima estiolada. E ainda admitiu amar aquele homem - depois do teste, e depois de o sovar em estúdio. A assistência repudiu o rapaz e a jovem ainda defendeu, com unhas e dentes, aquilo que pensa sentir pelo companheiro. “A senhora não sabe o que é o amor. Só sabe o que é a paixão”, lançou a rapariga à assistência.
E tão longe está ela do amor. Tão próxima do mendigar de uma sombra que a invada por dentro. Tão próximo de um abafador que lhe apague a incandescência do ânimo. Um pormenor: ela foi fiel no teste.

Este post é da autoria da nossa amiga Frida que não Calo.
 
Lavrado por diesnox at quarta-feira, agosto 09, 2006 | Permalink |


9 Comments:


At 11:02 da manhã, Blogger Ice-device

eu tenho uma teoria:

esse programa é uma farsa. pega-se num casal que se acabou de separar e precisa de dinheiro. depois encena-se uma traição. o apresentador dramatiza, goza, e amplia a coisa. no final há umas estaladas mais ou menos combinadas acaba tudo em confusão e cada um vai para casa com algum dinheiro no bolso resultado líquido de uma relação que não deu resultado.

e assim temos mais um programa da sempre incrível TVI.

 

At 2:58 da tarde, Blogger Sara

Pra mim é tudo farsa. Mas uma farsa tão tão tããão má... Ele é sedutores gordurosos e feios, sedutoras com coxas de perú, apresentador burro que nem uma porta ondulada e público mais que miserável. Os diálogos então são o supra sumo da exibição. Se este programa for visto no estrangeiro a ideia que fica dos portugueses e portuguesas é que é só dar uma esfrega e lá vão eles e elas derretidinhos para os lençóis alheios. E pior que tudo, somos todos incluídos.

 

At 10:59 da manhã, Blogger Ice-device

a traição é algo que sempre aconteceu. tem muitas razões, entre as quais algumas puramente biológicas. o ser humano não é exclusivamente monogâmico.

O sexo, principalmente da parte dos homens, é uma forma muito fácil de induzir uma traição.

As Mulheres pensam mais (algumas claro) e não têm esse comportamento tão levianamente.

Aconselho a leitura de um dossier na revista Focus algures no mes de julho. Interessante que a maior parte das traições se prolongam algum tempo e que as One night Stand são apenas cerca de 10% das traições.

 

At 2:59 da tarde, Anonymous Anónimo

Mosqueteira, o que são coxas de perú?
Apesar de tudo ali ser uma representação, porque o é, ela acaba por ser infiel à verdade dos factos.É a tal história de que a realidade supera a ficção. Foi execrável a emissão em causa.Assisti pois foi-me pedido um parecer. Não passou de um programa com o estatuto de "recreativo" e "qualquer semelhança com a realidade será pura coincidência". São feitos os castings, as pessoas aparecem e amealham uma quantia que lhes parecerá razoável. É degradante que um programa com este formato tenha lugar numa grelha televisiva. Argumento mau, "actores" que o não são, um apresentador indiscrítivel e o público é o que é...Resta-nos a lucidez de cada que assiste . Saudações a todos.

 

At 3:08 da tarde, Blogger Ice-device

belo post. Que parecer foi esse que te pediram, Tátá?

 

At 3:21 da tarde, Blogger Sara

Coxas de peru são aquilo que o próprio nome indica: as partes dos membros inferiores que vão do joelho ao fémur dessa grande ave galinácea. ;)

 

At 3:34 da tarde, Anonymous Anónimo

ah ! pla estética, o músculo...bem visto, bem visto ! mas isso é mau? Se calhar estamos invejosas...lol eu sou mais coxa de suína , admito ! jinho

 

At 3:36 da tarde, Anonymous Anónimo

Parecer jurídico, é a minha arte. UM dos intervenientes não quiz deixar passar as imagens.Não estou a violar nada ao dizer isto pois já foi tornado público esse parecerzito.